A pouco tempo foi lançado o livro do jornalista Tomás Chiaverini, o “Festa Infinita – O Entorpecente Mundo das Raves”, e a rave foi “desvendada” através de olhos e opiniões de um jornalista que mergulhou neste universo, até então desconhecido para ele, para escrever este livro que vem criando polêmica em diversos sites e fóruns de música eletrônica na internet, muitas críticas, inúmeros elogios e uma ampla discussão inteligente e fundamentada sobre um assunto que apesar de ser amplamente discutido, sempre tem novidades para serem explicadas, a música eletrônica e o mundo que a envolve.
Eu já comprei o livro, e este já me gerou uma infinita montanha-russa de sensações e sentimentos por este, porém não vou deixar aqui minha opinião sobre este. Entrei em contato com o autor, Tomás Chiaverini, e este atenciosamente, aceitou participar de uma entrevista, que gerou ótimas informações e assuntos que podem ser bastante discutido. Abaixo segue a entrevista com o Tomás.
“Em Festa Infinita, o leitor é convidado a um mergulho no barulhento, colorido e entorpecente mundo das raves – festas de música eletrônica, ao ar livre, com duração de mais de 24 horas. Logo no primeiro capítulo, numa narrativa dinâmica e precisa, é possível presenciar uma rave do começo ao fim, com toda a intensidade da música, com a efervescência das drogas sintéticas e com garotos que se penduram pela pele em bizarras e angustiantes performances masoquistas.
A partir daí, o autor cria um panorama desse movimento contra cultural, que apenas no Brasil atrai cerca de 500 mil jovens por mês. No ano de 2007 foram 1.400 festas, promovidas em sítios, praias desertas e clareiras no meio do cerrado. Raves que chegam a reunir 30 mil pessoas em “modernos rituais de êxtase coletivo”.
Para dar contornos a este universo, o repórter entrevistou inúmeros DJs, produtores e aficionados, criando uma trama de perfis que, por meio de casos curiosos, divertidos e até dramáticos, ilustram a história das raves no Brasil e no mundo. Usando técnicas de imersão próprias do jornalismo literário, o autor conviveu intensamente com seus personagens, acompanhou DJs em assustadoras viagens noturnas e em noites de música ininterrupta.
Num ônibus, junto a 40 ravers, empreendeu uma surreal viagem de mais de 30 horas até o interior de Goiás e passou uma semana acampado num dos maiores festivais de música eletrônica do país. No final de 2008, viajou a uma praia deserta no sul da Bahia, onde acompanhou a montagem do Universo Paralello – festa que atraiu 9 mil pessoas para dez dias de sol, drogas e dança. Finalmente, para retratar esse universo da forma mais intensa e realista possível, arriscou-se a experimentar, na própria pele, os efeitos do ecstasy somados à música eletrônica.
O resultado desse processo de imersão é um texto fluido e instigante, que mexe com os sentidos, que expõe o hedonismo descompromissado de parte da juventude atual e que documenta uma faceta da história contemporânea desconhecida para a maior parte da população.
Tomás Chiaverini nos oferece um relato preciso, sensível, humano e cuidadosamente detalhado, ao vivo e em cores, sobre o que acontece nessas festas sem deadline, que enlouquecem não só quem delas participa, mas também os pais e os vizinhos – algo tão chocante e real que mais parece ficção.
Mais do que isso, o trabalho do autor, sempre baseado em fatos concretos e pesquisas em profundidade, cumpre com competência a missão de lançar um brado de alerta sobre a preocupante realidade desse ‘entorpecente mundo’, no qual mergulham de cabeça, quase todos os dias, muitos milhares de jovens em busca de novas – e perigosas – experiências”.
Do prefácio de Ricardo Kotscho”
Tomás, conta um pouco de sua história como jornalista. Como e por que você resolveu entrar para esta bela profissão?
Não sei dizer exatamente por que escolhi a profissão de jornalista, mas acho que foi uma escolha acertada. Sempre gostei de ler, de escrever e sempre me interessei por assuntos diversos. Então acho que foi a escolha natural.
Minha história como jornalista foi bem maluca. Assim que me formei coloquei a mochila nas costas, juntei a grana que tinha economizado como colaborador de um site e fui pra Manaus, em busca de histórias pra contar. Passei cinco meses mochilando pela Amazônia, voei com a FAB em missões humanitárias até a fronteira com a Colômbia, presenciei conflitos indígenas em Roraima, entre outras doideiras. Assim conseguir vender algumas matérias para revistas importantes.
Quando voltei, sem estágio, sem emprego e sem o que fazer, resolvi escrever um livro. Sobre população de rua em São Paulo. Dormi embaixo de viadutos, me disfarcei de desabrigado pra ser recolhido a um albergue municipal e entrevistei inúmeros moradores de rua e especialistas. O resultado foi o Cama de Cimento, lançado em 2007. Depois fui selecionado pelo programa de treinamento do jornal Folha de S.Paulo, onde trabalhei durante dois anos, fazendo de tudo um pouco.
Qual a sua principal motivação para escrever sobre um universo que a cada dia que passa conquista mais adeptos?
Meu objetivo foi, sobretudo, jornalístico. Ou seja, retratar uma realidade que atrai centenas de milhares de adeptos, mas que é desconhecida para a maior parte das pessoas. A idéia foi criar um livro que fosse interessante não só para os ravers como para a população em geral. Criar um texto envolvesse o leitor. Um texto que por um lado fizesse quem nunca foi em uma rave se sentir em uma e, por outro, trouxesse fatos desconhecidos mesmo para os mais aficionados.
Logo no início do livro, no capítulo “Tunts, tunts, tunts, tunts” fica claro a sua preocupação em levar seus leitores a um mergulho e se “sentir” naquele instante, ao ler cada frase, em uma rave. Já que você até então nunca havia ido a uma rave, qual foi sua primeira impressão?
Assombro. Acho que não tem outra palavra. É uma coisa muito intensa que me deixou meio pasmo durante algum tempo. Mas depois passa, haha.
Muitos dizem que o “movimento raver” que ocorre nos dias de hoje, muito se assemelha com o movimento de contracultura efetuado antigamente pelos hippies. Quais as semelhanças, se é que existem, que você enxerga em ambos os movimentos?
Há uma porção de semelhanças. O discurso de paz e amor, a comunhão com a natureza, a proximidade com filosofia e religião orientais, o modo de vestir, o vegetarianismo, a psicodelia das drogas alucinógenas, etc.
Mas ao mesmo tempo há muitas diferenças. Acho que o movimento hippie, pelo momento histórico em que ocorreu, era muito mais politizado. O rock teve uma penetração na sociedade como um todo que a música eletrônica ainda não atingiu, e isso disseminou demais a cultura hippie.
Você traz no livro um histórico sobre os eventos eletrônicos e conviveu diretamente com Djs e produtores, esses fatos acrescentaram algo na sua vida?
Difícil de responder essa pergunta. Principalmente porque, ao meu ver, tudo que vivemos acrescenta algo. Então posso te garantir que sim, no processo de apuração do livro muito foi acrescentado na minha vida. Só não me pergunte o quê.
Mudou de alguma forma a impressão que você tinha das raves? Qual era a impressão que você tinha e que passou a ter após ter convivido mais de perto com este movimento cultural?
Antes de conhecer as raves, eu tinha a impressão de que elas se tratavam e um movimento mais agressivo. Algo mais próximo ao mundo punk. Mas antes mesmo de ir a uma festa, já percebi que isso não correspondia à realidade.
Fato notório é que a cada dia que passa os adeptos ao movimento raver e o número de eventos crescem ainda mais. Qual seria o principal motivo para isto ocorrer?
Não sou antropólogo nem sociólogo, então não tenho as ferramentas necessárias pra tentar explicar por quê certos fenômenos sociais ocorrem. Mas posso arriscar. E meu palpite é de que o ser humano, no geral, experimenta uma necessidade crescente de intensidade. O cinema mostra muito isso. As cenas de ação são cada vez mais fantásticas, o terror é cada vez mais assustador, o sexo é cada vez mais explícito. E as raves, acredito eu, são um pouco o reflexo dessa busca por intensidade. A música é cada vez mais alta, as festas duram cada vez mais, as drogas são cada vez mais potentes, e assim por diante.
Com o crescimento das raves, a concorrência também aumenta. Já que são feitos vários eventos durante um mesmo final de semana simultaneamente em diversos lugares do país. Muitos dizem que nos eventos atuais a preocupação dos organizadores e produtores é meramente capitalista, pouco se importando com a cultura que cerca a música eletrônica. Como você analisa isto?
Acho que é um movimento natural do sistema capitalista. Com os hippies isso também aconteceu. Surge um movimento contracultural que atrai muita gente justamente pelo fato de ir contra o sistema, mas logo os empresários percebem que isso pode gerar grana e transformam a contracultura em mais um produto. É inevitável que isso aconteça.
E acha que o público atual das raves está preocupado com esta cultura? Ou teria outros motivos que o instigassem a frequentar tais lugares?
Eu me arrisco a dizer que, atualmente, uma minoria se preocupa com algum tipo de cultura que possa existir por trás das festas. A maioria está lá pra curtir uma balada e ponto final.
O que vem crescendo com o passar dos dias também são leis e projetos para, de uma forma velada, proibir a realização de festas, porém, segundo as autoridades, o que vem sendo feito é a regulamentação deste tipo de manifestação cultural. Qual sua opinião sobre tal acontecimento?
Sou contra a proibição das raves. Acho que leis arbitrárias como as que estão sendo propostas só incentivam a ilegalidade. E se for proibir por conta das drogas, vai ter que proibir o carnaval, as micaretas, as festas de pagode, de axé, vai ter que proibir até o ano novo, haha, aí eu quero ver.
Como foi acompanhar de perto a “construção” de um Universo Paralello, festival que ocorre na Bahia, e movimenta a economia local. Qual a importância de eventos deste porte para a cultura e amantes da música eletrônica?
Foi um processo de apuração bem tenso, pra falar a verdade. Porque quando você olha pra tudo aquilo pronto, não pode imaginar o nível de tensão que envolve uma produção tão complexa. E quando estão todos com os nervos à flor da pele, ninguém quer um repórter fazendo perguntas por perto.
Mas no final, o pessoal conseguiu colaborar com o livro. E o UP é um evento fantástico, que coloca o Brasil em posição de destaque no roteiro internacional dos festivais de música eletrônica.
Segundo relatos em seu próprio livro, você utilizou ecstasy para retratar o universo eletrônico de forma mais intensa e realista. Realmente acha que tal fato seria necessário? Isso não mostra, a mesma visão sensacionalista e preconceituosa que a população e outros meios de comunicação já possuem das pessoas que frequentam tais eventos e participa desta cultura?
Acho que foi necessário, sim, para compreender melhor esse universo. E acho que não reforça preconceitos. Pelo contrário. O preconceito é uma visão de quem não conhece alguma coisa, de quem fala sobre algo saber exatamente do que se trata. Eu fiz o contrário. Vivi a experiência antes de falar dela.
E aí, acho que minha atitude bate de frente com uma montanha de hipocrisia. Por um lado, temos a sociedade que proíbe as drogas mas oferece punições ridículas a quem é pego portando substâncias ilegais. Isso só tem um resultado: aumenta o poder do tráfico. Do tráfico que sustenta toda a sorte de políticos e policiais corruptos.
Do outro lado, no nosso caso, temos uma boa parcela dos ravers que não só usa drogas como faz campanha. Não foram poucas as pessoas que me disseram que se eu não tomasse, eu não entenderia esse universo. Até aí tudo bem. Eu não vejo muita diferença entre um baseado e uma cerveja e sou a favor da liberdade individual.
Agora a hipocrisia está no fato de que algumas pessoas se sentiram ofendidas porque eu retratei a relação das raves com as drogas. E retratei da forma mais imparcial possível, de uma forma aberta, sem condenar quem usa e mostrando que as drogas provocam sim experiências deliciosas. Seria preconceito se eu não tivesse tomado e colocasse apenas a visão do Denarc, ou dos psiquiatras.
De todos os fatos e histórias que você vivenciou para escrever o Festa Infinita, qual (quais) você destacaria? Por que?
Acho que a vivência mais fantástica foi o Trancendence. Porque acompanhei uma excursão de ônibus em meio a 40 malucos. Saí de São Paulo com eles e enfrentei mais de 30 horas de estrada. Depois passei uma semana inteira acampado no meio do festival, vivenciando a fundo aquilo tudo. Foi um trabalho muito intenso de imersão. E bem divertido também.
Alguns leitores criticaram o livro por você ter se baseado em algumas festas de São Paulo e festivais, não levando em consideração festas que ocorrem em diversos lugares do país, em que cada local tem sua peculiaridade. Por que suas pesquisas foram concentradas em São Paulo?
Dinheiro. Gostaria muito de poder viajar o país, quem sabe até o mundo, para escrever um livro. Mas a realidade que se impõe é outra.
Já existe algum projeto para uma “continuação” do Festa Infinita? Quais são seus planos como jornalista?
Não existe projeto de continuação, nem acho que vá existir. Meu próximo projeto não é propriamente jornalístico. É um romance, uma ficção longa na qual venho trabalhando há alguns anos. O livro está passando pelos últimos ajustes e se tudo der certo, será publicado em breve.
Tomás, muito obrigado por ter aceitado participar desta entrevista. Gostaria que você deixasse uma mensagem para todos os leitores do blog e amantes da música e cultura eletrônica.A minha mensagem vem na forma de um pedido. Apesar de Festa Infinita não ser um livro de denúncia e de forma alguma ir contra as raves (muito pelo contrário), tenho sofrido críticas violentas por parte de integrantes do mundo raver. E o pior é que essas críticas, via de regra, são feitas por pessoas que não leram o livro. Quem lê, mesmo os mais aficionados por este universo, gosta do livro. Não são poucos os que me procuraram para elogiar.
As críticas são as mais diversas. Já fui chamado de sensacionalista, de careta, de drogado, de superficial, de garoto propaganda do Universo Paralello, e até de homossexual (como se isso fosse xingamento).
Mas a crítica mais recorrente é que falo sobre um assunto que não conheço. E aí é que está a graça. Quem fala isso, é porque não leu o livro. Porque eu passei um ano inteiro estudando e vivenciando esse universo. Então os que aplicam esse discurso, estão, na verdade, praticando aquilo que condenam. Estão julgando o livro sem saber do que se trata.
Por isso, peço encarecidamente que se quiserem falar do livro ao menos leiam antes.